Por Blonsom Faria

Há uma semana para o início dos festejos de Momo, nos preparativos finais da folia, inauguro minha contribuição para essa coluna com algumas considerações sobre esse que, sem sombra de dúvida, será um dos carnavais mais desafiadores, tanto para os sambistas, quanto para a sociedade de modo geral, que elegeu como representante um prefeito alheio aos interesses e necessidades do carnaval, que, mais que uma festa pagã, é um dos principais atrativos turísticos e símbolos da cultura carioca.

A história do carnaval, que remonta aos entrudos e cucumbis, passando pelas grandes sociedades, ranchos e cordões, sempre foi e ainda é marcada por tentativas sucessivas de coerção e controle. A subversão expressa na crítica e no deboche faz do carnaval uma festa de alto teor questionador que abre frestas no rijo tecido social, pelas quais a população torna risíveis suas próprias idiossincrasias, valendo-se do lúdico e da criatividade.

Um desafio atual é exatamente usar de criatividade para superar a crise e o boicote nas verbas. O carnaval de 2017 já apontava para o atual cenário: dificuldades financeiras, intolerância à diferença e a necessidade de uma renovação plástico-formal da apresentação dos desfiles. As grandiosas escolas de samba, com suas fantasias luxuosas e alegorias gigantescas, depararam-se com obstáculos que devem ser encarados como desafios que, certamente, vão redesenhar a apresentação das escolas de samba.

As campeãs do carnaval passado, Portela e Mocidade Independente de Padre Miguel apresentaram desfiles mais concisos e com acabamentos criativos, desfiles esses, que nos trouxeram à lembrança a linguagem de carnavais passados, mostrando luxo e simplicidade num equilíbrio interessante.

Neste carnaval, as grandes escolas de samba tem o desafio crescente de desenvolver seus enredos com menos aporte financeiro. Com uma safra de bons sambas-enredo, as agremiações apresentam um diversificado repertório de temáticas a serem contadas na Marquês de Sapucaí.

Apostando no enredo-biografia, a Grande Rio e a Unidos da Tijuca vão abordar respectivamente o comunicador Chacrinha e o multitalentoso Miguel Falabella. Que velho guerreiro dá samba, não é novidade, mas a aposta tijucana na figura do Falabella é ousada.

Temas clássicos também motivam enredos, como a escravidão, que será revisitada pela Tuiuti com ênfase no processo de libertação dos escravos e seus questionamentos.  A Acadêmicos do Salgueiro desenvolverá na avenida um enredo sobre as senhoras do ventre do mundo, que reforça a tradição da agremiação em abordar temas ligados à afro-brasilidade, de grande aceitação do público. A União da Ilha propõe uma viagem sobre a culinária, o Brasil bom de boca, temática já desenvolvida em outros carnavais.

As culturas distantes voltam a ser a aposta da Mocidade, com a riqueza da cultura indiana e a aposta do Império Serrano será na cultura milenar chinesa. Resta saber como essas temáticas serão contextualizadas à cultura brasileira, requerendo uma dose precisa de pesquisa e erudição.

A crítica social, outro coringa dos enredos, será a aposta da Beija Flor e da Mangueira. Destacando as monstruosidades das desigualdades e as dificuldades financeiras, as escolas, que sempre estão apontadas entre as preferidas do público, traz para a avenida um retrato da atualidade.

Os enredos com conotação histórica serão desenvolvidos pela São Clemente, que se distanciou de sua tradição de enredos de crítica social e abordará a Escola Nacional de Belas Artes. Também nessa perspectiva, a Imperatriz Leopoldinense investe num enredo muito bem construído sobre os 200 anos do Museu Nacional.

A Vila Isabel tem no futuro sua inspiração, o que possivelmente trará a avenida uma linguagem hi-tech. Já a Portela, que apresenta um enredo de sofisticada pesquisa, que é marca de sua carnavalesca, contará a história da emigração de judeus do nordeste para a fundação de Nova Iorque.

Com o precedente do compartilhamento do título de campeã do carnaval carioca entre a Portela e a Mocidade, por falhas no processo de julgamento, ficamos na expectativa de saber qual das agremiações agradará mais aos jurados e ao público. Assim como resta a dúvida se a apuração será suficiente para conhecermos a grande campeã do carnaval 2018.

Com base nas sinopses, apenas apresentamos as temáticas centrais dos enredos, mas a análise detalhada do desenvolvimento de cada apresentação será aqui apresentada após a apreciação do maior espetáculo da Terra.

Aguardamos os respectivos desfiles para descobrir como funcionarão essas narrativas junto ao público, as escolhas estéticas, as inovações, os sambas de enredos que vão explodir, porque é na avenida que o carnaval acontece.

Blonsom Faria é Antropólogo e historiador, pesquisador de história, cultura e religiosidade africana e afro-brasileira.

 

 

 

*Matéria escrita originalmente em 2018.