A responsabilidade de ensinar o bailado que um dia aprendi
A escola de samba é uma manifestação cultural popular e, com isso, sofre modificações constantemente com influências externas e internas numa dinâmica que, muita das vezes, não damos conta.
Pensar sobre esta dinâmica que, busca inovar, surpreender, agradar e estarrecer o público, telespectadores e, principalmente os jurados dos quesitos (onde todos e todas buscam as notas dez) nos faz refletir acerca das mudanças que ocorreram nas escolas de samba, como por exemplo: nas baterias (ouvimos comentários saudosos daqueles que viveram a época da identificação de cada bateria de escola de samba pela característica peculiar das suas batidas), nas comissões de frente (que outrora vinham com a velha guarda e posteriormente com homens negros altos e elegantes apresentando a escola), nas alas da comunidade (que antes evoluíam em zigue-zague, sem se preocupar com um alinhamento perfeito), entre tantas outras modificações.
A abordagem desse texto não está relacionada com saudosismo ou crítica ao processo de modificação que ocorreu no decorrer da existência das escolas de samba, pelo contrário, esta se faz necessária e se insere no contexto, porém, aborda uma questão inquietante relacionada à responsabilidade de quem transmite o conhecimento desta arte.
Trazendo esta realidade das modificações especificamente para o bailado do casal de mestre sala e porta-bandeira, que é a área que estudo e atuo tanto no Projeto Minueto do Samba quanto ensaiando casais e realizando palestras, reflito sobre o que, como, por que e pra que me proponho a transmitir e fomentar esta arte e, é baseada nisso que proponho discorrer.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira tem a responsabilidade de conduzir o pavilhão de uma escola de samba e este, por ser o maior símbolo dentro de uma agremiação, faz com que o casal seja considerado uma das figuras mais importantes dentro da comunidade, pois a ele cabe a função de representar a história de cada escola de samba.
Para exercer a função de um mestre-sala e de uma porta-bandeira existem protocolos que devem ser cumpridos e fundamentos a serem executados, a indumentária e a maneira de falar e se comportar estão inseridos neste contexto e, estas características peculiares, mostram nitidamente aqueles que são os responsáveis por representar a comunidade portando sua bandeira.
Digo que não escolhi ensinar esta arte, pelo contrário, fui escolhida e acolhi esta predileção me dedicando a estudá-la e honrando a minha ancestralidade e os ensinamentos dos meus mestres, costumo dizer que aprendi com “os mais antigos” (na Escola do Seu Manoel Dionísio tive honra de aprender com os saudosos (as) Delegado, Tidinha e Soninha e com Adilson, Carlinhos Brilhante, Jamelão e Irene) e eles e elas me deram toda base que hoje tenho e difundo.
A responsabilidade de transmitir o que outrora tive a dádiva de aprender com ilustres mestres me fez (e faz) refletir acerca da importância de dialogar com novas propostas e sugestões no contexto desta dança, porém, observando e analisando sempre com muita cautela e atenção acerca dos elementos e fundamentos indispensáveis à caracterização desta dança para que ela não se torne, digamos, outra coisa que não seja o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira.
Estar conectada ao que realmente este bailado significa, compreendendo de onde veio, porque veio e de quem veio é essencial para que esta arte se perpetue e para que possibilitemos que o ritual que o fundamenta não se perca ao ser transmitido de geração para geração.

Viviane Martins
Fundadora do Projeto Minueto do Samba
Mestra em Artes pela UERJ
Licenciada em Educação Física pela UFRJ