Por Silvia Borges

O ETARISMO nas alas de passistas é uma questão que me ocupa, preocupa e interessa pensar a respeito. Que lugar há reservado para os passistas nas escolas de samba a medida que cruzam a linha da juventude e envelhecem?

Antiguidade é posto em escola de samba???

Antiguidade sempre foi posto em escola de samba. O tempo somado à contribuição torna alguns referência histórica na agremiação. O respeito que devotamos às velhas guardas vem daí.

Testes e provas já são considerados hoje, formas arcaicas e ultrapassadas de avaliação, mas praticamente todas as escolas de samba se valem desse meio para escolher seus passistas. Passistas eram escolhidos durante os ensaios na quadra da escola por um coordenador, que pouca ingerência tinha na parte técnica do passista, ou por diretores da escola. Observava-se samba no pé, simpatia, e freqüência. Essa observação não era feita num dia, muito menos em 2 minutos, mas através de um processo que podia se estender por algumas semanas ou meses.

É possível uma avaliação minimamente justa numa ala tão heterogênea? A dança é uma forma de arte e as avaliações sempre serão eivadas de subjetividade por parte de quem julga (o gosto pessoal de cada um). Há escolas que conseguiram homogeneizar o grupo de passistas retirando, compulsoriamente, todos os adultos, mantendo apenas crianças e adolescentes recém chegados na escola.

Outro aspecto que deve ser levado em conta é o da REPRESENTATIVIDADE. Ultimamente, os olhos se voltaram quase que exclusivamente para a técnica (a forma como cada movimento é realizado) e plasticidade (o que se considera belo, apresentável, em corpo e figurino) esquecendo o que alguns sambistas/passistas representam simbolicamente para a agremiação. Olhávamos para Gargalhada e víamos Mangueira; olhávamos para Vitamina e víamos Salgueiro; olhávamos para Edinho e víamos Beija Flor de Nilópolis!

Sinceramente, não entendo como se pode julgar todo um repertório de representatividades que compõe o ser passista, num teste. Há quem considere uma honraria um passista veterano participar de um teste. Tenho minhas dúvidas. Será que passistas que estão na escola há 10, 20, 30, 40 anos, que quando mais jovens, contribuíram com importantes premiações, como o Estandarte de Ouro, por exemplo, sentem-se “honrados” em serem testados ao lado de passistas que chegaram ontem na escola? É possível desaprender a sambar? O menos experiente julgando o mais experiente? O discípulo julgando o mestre? O poste mijando no cachorro?

Muito bacana a escola permitir a permanência dos passistas veteranos, alguns já idosos na ala, mas para que esse direito se efetive, é necessário oferecer-lhe as condições necessárias (alguns privilégios, sim!) para que ele possa lá estar, encantando as pessoas, pois são reconhecidos, criaram ao longo do tempo, uma identidade na escola; e transmitindo aos mais jovens saberes que vão além da técnica.

No caso das mulheres a situação é ainda mais complicada, pois os figurinos são únicos e pensados para adolescentes, vestindo inadequadamente mulheres mais velhas.

“A regra é pra todos! Não importa quanto tempo vc tem de escola”. Não no samba. Esse pensamento que pretende promover igualdade, na verdade, desconsidera diferenças relevantes entre pessoas que fazem parte de uma cultura que se pauta na ancestralidade e respeito aos mais velhos, por isso reverenciamos mangueirenses como Seu Nelson Sargento, Tia Suluca, Mestre Tantinho; e pela mesma razão devemos prestigiar nossos passistas veteranos.

Grande exemplo nos dá a Velha Guarda da Bateria, quem sabe um caminho para os passistas mais antigos?!
Vivemos em tempos de apresentações, figurinos, coreografias, calendários rígidos, tempos de espetáculo. Contudo, acho que o papel que o passista exerce na escola de samba é de suma importância e por isso merece todo respeito e consideração. Respeitem quem pode chegar onde a gente chegou!

Índio da Mangueira (Estandarte de Ouro -1984) e Celso (Estandarte de Ouro 1992), no desfile de 2015.

 


Silvia Borges
Doutora pelo PPGSD/UFF. Ex passista do GRESEP de Mangueira e do GRES Portela. Conselheira da APASB e Dir. Cultural do GRES Rosas de Ouro.